Our Lady of Fatima / Flickr / CC
Peregrinar a pé ao encontro de
Nossa Senhora
Seis horas da manhã. O dia ainda não nasceu, mas os pés fazem-se à estrada depois do "Envio". Às costas, a vontade de agradecer a Nossa Senhora de Fátima a licenciatura que terminou no verão passado, porque «durante os pontos mais baixos da minha vida, durante a licenciatura, sempre tive Nossa Senhora ao meu lado, e este é o meu agradecimento». As palavras são da Catarina Trabulo, 22 anos, escuteira desde pequena, que em outubro passado resolveu peregrinar a Fátima. Cinco dias a andar, para chegar e enfrentar uma chuva torrencial na sua primeira noite numa procissão das velas em Fátima. Tudo por «agradecimento». «Sempre disse que, no final do curso, queria vir a Fátima a pé agradecer por tudo», diz.
Mas porquê a pé, se há meios de transporte bem mais rápidos e confortáveis? «É muito diferente ir a Fátima a pé ou de carro. Ir a pé... nem se explica bem, mas há toda uma engrenagem de coisas que nos envolvem e nos fazem ir com vontade de alguma coisa, que de carro não é possível conseguir», tenta explicar, enquanto sorri, recordando o caminho.
São muitas as motivações que levam jovens católicos a, todos os anos, se juntarem a grupos para peregrinarem para Fátima. Até o Benfica e o famoso – e fatídico – minuto 92. «Numa aposta com um amigo peregrino disse que se o Benfica não fosse campeão que eu ia a pé na próxima peregrinação. O Benfica não foi, e eu tive de cumprir com a aposta.»
Entre risos e algum espanto perante a forma como «Deus sabe o que faz», Paulo Sérgio, de 29 anos, explica como surgiu a possibilidade de ir a pé até Fátima. Há anos que ajudava o grupo da Igreja de São João de Deus em Lisboa na logística, providenciando as refeições, mas nunca se tinha aventurado a fazer o caminho a pé, apesar da vontade que o invadia cada vez mais. «Foi preciso aquele "clique", que vale tanto como outro qualquer, para me fazer ir. E valeu bem a pena», confessa, já que, «hoje em dia, ainda não encontrei palavras para descrever o quão gratificante e importante aquilo foi».
São muitas as motivações, mas todas com fundos semelhantes: agradecer, louvar... e refletir. «Ser escuteira, católica, catequista, tudo isso foram fatores que me levaram a fazer isto», diz a Catarina. «Andar sozinho foi uma das melhores partes da peregrinação. Sou uma pessoa introvertida, e acabou por ser bom fugir da rotina do dia-a-dia e caminhar pela natureza e estar sozinho com Deus. O silêncio conseguia levar-me a pensar em coisas que ao longo do dia-a-dia não pensamos ou não damos importância. Naquele momento fazemos uma retrospetiva do que nos aconteceu e que nos poderá acontecer, e acaba por ser uma das fases muito boas» do caminho, conta Paulo Sérgio.
Para a Catarina, a possibilidade de reflexão pessoal é também um dos pontos fortes do caminho. «Querer ir refletir, pensar muito sobre nós próprios, sairmos do nosso dia-a-dia e termos um tempo só para nós, que é muito útil. Nem sempre é possível na nossa vida pensarmos no que queremos fazer, e ali conseguimos isso», diz a Catarina.
A peregrinação a pé de ambos os jovens durou cinco dias. Um tempo que deu «para tudo», já que, ao caminho individual, se juntam momentos de reflexão em grupo ao final do dia ou nas paragens, orações em conjunto durante o caminho, tudo orientado por sacerdotes ou dinâmicas que ajudam a direcionar a reflexão.
Tudo isto... e selfies. «Ia colocando fotos do caminho no Facebook, os meus amigos iam colocando likes e as pessoas mais velhas iam deixando comentários e pedindo para rezar por elas também», conta Catarina, para quem estas fotos e esta dinâmica de partilha do caminho nas redes sociais é uma ferramenta de evangelização. «Acaba por servir como evangelização, porque me veem a mim no meu caminho, a mostrar que a peregrinação não é uma seca, ou uma coisa em que estamos a rezar não sei quantos dias seguidos quase por obrigação. Há momentos para tudo, e foi uma forma de mostrar que, ali, estava contente e alegre, a viver aquele momento de fé. Tenho orgulho da minha fé, e não a devo esconder», referiu.
Mesmo que, como lhe aconteceu, muitos dos seus amigos não compreendam estas «loucuras». «Nem todos os meus amigos compreendem o que fiz. Muitos chamaram-me maluca, principalmente quem está mais afastado da Igreja ou do escutismo, perguntaram-me que raio ia eu fazer a Fátima, ainda por cima a pé», diz, entre risos.
Suor, lágrimas... e Fátima no horizonte
Depois de todo o caminho, a ânsia maior é pela chegada a Fátima. A última etapa da peregrinação é também a mais emotiva. «A chegada é o culminar de cinco dias de vivência e preparação. Vamos com uma ideia do que irá acontecer, mas o momento só pode ser compreendido por quem faz e o experimenta, porque é uma coisa única. Eu não sou muito emotivo, mas as lágrimas acabaram por me escorrer pela face», reconhece o Paulo, meio envergonhado. A Catarina é bem mais expansiva. «Quando chegamos parece que há um sentimento de realização que se apodera de nós e todo o cansaço é esquecido. A primeira coisa que fazemos é ir à estátua do Sagrado Coração de Jesus que está no centro do santuário, porque é a imagem principal dos peregrinos e ia ao encontro do tema do grupo que era "Com Maria ao encontro de Jesus", e por isso é essa a nossa primeira passagem. Entramos por uma das laterais, vamos diretos à estátua, paramos durante algum tempo, refletimos, agradecemos, choramos, caiu-me tudo e senti-me muito mais aliviada», recorda.
O alívio surge depois do sacrifício de cinco dias a caminhar, maioritariamente por estradas de alcatrão, à chuva e ao sol, a uma média de mais de 20 km por dia. «O primeiro dia correu-me muito bem, mas ao segundo dia eu já estava a dizer que ia desistir, porque sentia o corpo num estado de exaustão nunca visto», diz o Paulo. A Catarina sentiu menos o esforço, já que uns meses antes tinha ido com os escuteiros a Santiago de Compostela, mas reconhece os benefícios espirituais do esforço físico. «O sacrifício ajuda muito à reflexão, porque pensamos sempre que não somos capazes, mas depois vemos que somos capazes de nos superarmos a nós mesmos, e se o conseguimos fazer no corpo, conseguimos em tudo o resto da nossa vida», afirma. O Paulo conta que, na sua peregrinação, foram também as palavras que moldaram a mente e ajudaram o corpo. «Por norma, o Pe. Carlos Azevedo costuma ir celebrar missa ao final do dia, e as palavras dele inspiraram-me e deram-me uma força que me permitiu no dia a seguir levantar-me sem dores, parecia um passarinho de tão leve», brinca.
Depois de tudo, para além das reflexões individuais e do agradecimento a Nossa Senhora, ficam as amizades que se constroem no caminho. «No final ficámos todos muito amigos, e as redes sociais ajudam a manter o contacto. Para além disso, temos um terço mensal que costumamos organizar em casa dos peregrinos que foram na peregrinação», conta a Catarina. «As partilhas entre pessoas que não se conhecem de lado nenhum e que criam uma grande ligação não se explicam, simplesmente acontecem. É mesmo isso que para mim significa fazer este caminho», diz o Paulo, que mudou completamente a perspetiva que tinha do caminho enquanto membro do staff de apoio aos peregrinos.
Por: Ricardo Perna
Sources: FAMÍLIA CRISTÃ / Via: Aleteia
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